307 presos provisórios do Alto Tietê votam nas eleições de 2024 em seções dentro dos presídios
Na manhã de 6 de outubro de 2024, enquanto cidadãos comuns faziam fila nas escolas e ginásios, Centro de Detenção Provisória de Mogi das Cruzes e Centro de Detenção Provisória de Suzano se transformaram em locais de votação. Trêscentos e sete homens e mulheres — todos presos provisórios, aguardando julgamento — levaram seus títulos eleitorais transferidos temporariamente para as urnas dentro das grades. É um ritual silencioso, mas profundamente simbólico: o direito de escolher quem governará o país, mesmo atrás de paredes de concreto.
Um aumento silencioso, mas significativo
Em 2020, apenas 280 presos provisórios no Alto Tietê votaram nas eleições municipais. Agora, esse número saltou para 307 — um aumento de 9,6%. A Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo (SAP) confirmou que 131 eleitores estão registrados em Mogi e 176 em Suzano. Nenhum desses indivíduos foi condenado ainda. A Constituição Federal, em seu artigo 15, garante esse direito: só perde o voto quem tem sentença criminal transitada em julgado. A maioria desses presos está lá por investigações em andamento, por falta de condições de pagar fiança ou por aguardar audiências que demoram anos para acontecer.
Essa é uma das faces menos vistas da democracia brasileira. Enquanto políticos discutem abstenção nas periferias, quase 2 mil pessoas privadas de liberdade em São Paulo exercem seu direito de votar — e com um índice de comparecimento surpreendente: 75% no primeiro turno, segundo o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP). Isso é mais alto que a média estadual. Alguns até votam com mais regularidade que cidadãos em bairros distantes das zonas eleitorais.
Como funciona o voto dentro das grades?
A operação não é simples. Segundo a Resolução TSE nº 23.738/2024, só é possível instalar uma seção eleitoral em uma unidade prisional se houver pelo menos 20 eleitores registrados — incluindo servidores e mesários. Em Mogi e Suzano, as seções foram montadas com mesários escolhidos entre funcionários da SAP e advogados, nunca agentes penitenciários em atividade. Isso evita pressão ou influência.
Os presos precisam manifestar interesse com antecedência. Não há campanha eleitoral dentro das celas, mas há cartazes com instruções, e muitos já chegam à seção com o nome do candidato escrito na mão. “Eu não tenho casa, mas tenho opinião”, disse um preso de 34 anos, que aguarda julgamento por porte de arma, enquanto colocava seu voto na urna. “Se o prefeito não cuida da rua, quem vai cuidar de mim?”
Um direito negado em seis estados
Enquanto São Paulo mantém 31 seções eleitorais em unidades prisionais, seis estados — Acre, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Rondônia, Roraima e Tocantins — além do Distrito Federal, não oferecem voto a presos provisórios. Não por lei, mas por ausência de estrutura ou vontade política. A Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) aponta que, em dezembro de 2024, 27,2% da população carcerária brasileira (182.855 pessoas) eram presos provisórios. Ou seja: quase um terço dos detentos no país tem direito ao voto, mas muitos não o exercem por falta de acesso.
Em São Paulo, o número de presos provisórios é de 37.157 — e 625 deles estão registrados para votar no segundo turno, em 14 seções especiais. A Fundação Casa, que cuida de adolescentes em internação, também participa: 1.151 jovens estão aptos a votar no segundo turno. “Participar das eleições é mais do que um direito”, afirmou Claudia Carletto, presidente da Fundação Casa. “É uma ponte para a cidadania. Quando um jovem vota, ele deixa de ser só um número no sistema. Ele se torna alguém que escolhe.”
Comparação histórica: o voto como resistência
Em 2022, o Alto Tietê teve 422 eleitores votando nas duas unidades — incluindo servidores e mesários. Naquele ano, o TRE-SP instalou 85 seções em todo o estado, atendendo 6.736 eleitores. Agora, mesmo com menos unidades, o índice de participação aumentou. Por quê? Porque há mais conscientização. Mais campanhas educativas. Mais diálogo entre a Justiça Eleitoral e o sistema prisional.
É curioso notar que, em 2020, os presos de Mogi e Suzano votaram em maior número que em 2022 — apesar de o número total de eleitores ter crescido. Isso sugere que, nos últimos anos, houve uma queda na mobilização, seguida por um recuperação em 2024. Talvez por causa do aumento da visibilidade midiática, ou por pressão de organizações de direitos humanos.
O que vem depois das urnas?
O voto não muda a cela. Não liberta ninguém. Mas ele muda o olhar. Para o preso, é uma lembrança de que ainda pertence à sociedade. Para o sistema, é um teste de humanidade. E para a democracia, é um sinal: mesmo quem está preso, ainda é cidadão.
Em 27 de outubro, o segundo turno chegará. Outras 625 pessoas votarão nas mesmas seções. A SAP já começou a preparar os materiais. Os mesários serão treinados novamente. E os presos? Eles já estão conversando sobre os candidatos. Um deles, que foi preso por tráfico, mas nunca condenado, disse: “Se eu não posso sair daqui, pelo menos posso escolher quem decide se eu vou sair um dia.”
Frequently Asked Questions
Quem pode votar dentro das prisões em São Paulo?
Apenas presos provisórios — ou seja, pessoas ainda não condenadas por sentença transitada em julgado — e adolescentes internados pela Fundação Casa. É obrigatório que o eleitor tenha registrado seu título eleitoral e manifestado interesse formalmente. Presos condenados perdem o direito ao voto, mesmo que ainda estejam em apelação.
Como é feita a escolha dos mesários nas unidades prisionais?
Os mesários são selecionados entre servidores do Ministério Público, advogados ou funcionários da SAP que não atuem como agentes penitenciários. Cada seção tem três mesários, e eles passam por treinamento específico da Justiça Eleitoral. Isso garante imparcialidade, já que agentes de segurança não podem participar diretamente da apuração.
Por que só 31 unidades em São Paulo têm seções eleitorais, se há mais de 200 presídios?
A Justiça Eleitoral só instala seções quando há pelo menos 20 eleitores registrados na unidade — incluindo servidores e mesários. Muitas prisões não atingem esse número. Em unidades menores ou com poucos presos provisórios, os eleitores são transferidos temporariamente para unidades maiores, como Mogi e Suzano, que funcionam como polos regionais.
O voto dos presos influencia os resultados eleitorais?
Nas eleições municipais de 2024, o voto dos presos provisórios no Alto Tietê não foi decisivo para os resultados em Mogi ou Suzano — mas em cidades como São Paulo e Campinas, onde há mais de 100 eleitores por unidade, o impacto pode ser mais significativo. O importante não é o número, mas o princípio: a democracia não exclui ninguém por estar preso.
O que acontece se um preso não votar?
Não há penalidade. A votação é voluntária, e o TSE não obriga ninguém a comparecer. Apenas quem tem o título regular e está em prisão provisória pode votar — e mesmo assim, muitos não o fazem por descrença, falta de informação ou por não terem interesse político. A Justiça Eleitoral prioriza o acesso, não a obrigação.
Há planos para expandir esse sistema para outras regiões do Brasil?
Sim. O TSE já discute parcerias com estados que não oferecem voto a presos provisórios, especialmente após a pressão de organizações como a Anistia Internacional e o Conselho Nacional de Justiça. Em 2025, uma avaliação nacional será feita para mapear onde é possível instalar novas seções. O modelo paulista é visto como referência — mas exige recursos, treinamento e vontade política.
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